domingo, 14 de dezembro de 2008

Sibilinamente



Quisera eu transformar-me em silhueta
num fim de tarde violeta
pelas ruas, por cima dos muros
caminhar como sussurro

Quisera eu olhar enfim
Sibilino assim
como um suave murmuro
e, então, só haveria escuro...

Quisera, quisera tanto
cobrir-me com a noite, teu manto
mas para mim não há lugar

Quisera... Contudo, entretanto...
não percebo teus encantos
e para mim não há luar

sábado, 13 de dezembro de 2008

Futura saudade



Como nas histórias mais belas,
de palavras colhidas em cestos de vime
deixam pegadas em terra firme
e querem mais altas as estrelas

Fecham os olhos e basta um segundo
— Vejam: uma bola de futebol em forma de lata!
O grande herói, ou o mais cruel dos piratas
Viajam para qualquer lugar do mundo

E eu os vejo em meu pensamento
Como as cores do catavento
Ou comandantes duma enorme nau

Ah, mantê-los assim... Minha esperança!
Mas logo serão primaveras em minha lembrança
Crianças que correram em meu quintal

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Algum dia, Fátima...



Onde fomos algum dia, Fátima?
Dias em que a chuva veio
Dias em que o rio esteve cheio
Até transbordar em lágrimas

Cegos, algum dia, por um caminho desprezado
procuramos uma sombra que nos acoite
mas nada resta... nem Florbela, nem a noite
nem um sorriso desgraçado

Mas, algum dia... Algum dia é muito vago
Vago demais para um pacto
como um nenúfar perdido num lago

Tão vago, mas não lago... Agreste!
Como a vida de um cacto
Como a saudade do beijo que me deste

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Domingo, enfim



Canto aos dias de domingo perdidos
às manhãs, meios-dias e fins de tarde
em silêncio, com meu jornal repetido
Canto em paz, sem fazer alarde

Canto embaixo das árvores,
um canto descansado, dissonante
que pinta a solidão nos bancos de mármore
um nó na garganta... Rascante!

Canto as notas que auferia
da partitura de domingo, enfim
Canto como preferiria

Mas não é sempre que canto assim
Canto porque é domingo. Domingo de dia!
e domingos são dias sem fim

sábado, 27 de setembro de 2008

No fim das contas


Dias se vão, mas não em vão...
É a mais pura aritmética
E deténs toda razão
Em mãos! Menos a trigonométrica

Se te subtrai pela tangente, tanto faz...
Então, o que me somam cossenos?
Pois, no fim das contas, cada dia a mais
é, na verdade, só um dia a menos

sábado, 6 de setembro de 2008

Pela Madrugada


Somes, às vezes, em névoa, na estrada
Sem ver, procuro-te ainda no escuro
Saio por ti, mas não é seguro
pois já és alvorada

– Não me aches! – pedes, contrariada
Cercas-te por um muro
que – rogo eu (logo eu...) – cairá no futuro
ou, quiçá, na nova madrugada...

E somes, com tuas certezas
Partes de vez até amanhã... Nem me despeço
E de manhã, restarão lâmpadas acesas

Somes, agora, por dentre espadas e cruzes
E até penso em pedir, mas não peço
que antes de amanhecer, apagues as luzes

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Canção por uma lágrima


Choras por chorar... Por nada, por ninguém
e nestas doces lágrimas a ti invejo
pois chorar sem porquê é meu desejo
não apenas por sonhar, nem por não ter alguém

Choras por pureza... Um choro que apenas vem...
Cada lágrima um ensejo
Não derramo nada... Nem pelo que vejo,
nem por não amar, nem por não ter a quem

Cancioneiro, cancioneiro... Tua poesia jamais finda
Então, diz-me por que chorar!
Diz-me por que não chorei ainda...

Faz-me uma lágrima, mesmo que não seja linda...
Por que apenas por podê-la derramar
minha lágrima será bem vinda

domingo, 10 de agosto de 2008

Ao pai



Pai, onde estás, meu pai?
Aonde vais?
(Meu pai, que estás onde estás...)

Pai,
alimenta-me... Tenho fome...
(... desmistificado seja teu nome...)

Pai,
não encontro mais meus brinquedos
(... venham a mim os teus medos...)

Pai,
abraça-me, que sinto saudades
(... sejam desfeitas tuas verdades...)

Pai,
temo o que esta vida encerra
(...seja no céu, seja na terra...)

Pai,
cobre-me, que a madrugada é de ventania
(E o julgamento de cada dia...)

Pai,
não me mantenhas tão longe
(..nega-me apenas hoje...)

Pai,
de horas de silêncio tão intensas
(...aceita minhas descrenças...)

Pai,
jamais foste esquecido
(...como aceitei-me perdido...)

Pai,
não enxergo nesta escuridão
(... e não me falte tua mão...)

Pai,
Meu pai, do começo ao final
(...nem me leves a mal...)

Pai,
Que assim sejamos... Amém
(...ou além!)

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Lídia e as orquídeas



Lídia, deixa-me sozinho
que provei das agruras dos fracos
bem distante quanto as estrelas em Draco
E era tão bom! E era teu ninho...

E, enfim, encontraria os delírios de Baco
em teus lábios de linho
Não, não era vinho...
Cheiravam a tabaco

Lídia, Lídia...
O que fizeste às orquídeas?
Pensei que fugiam...

E pensei que era sono
mas já era outono
e as folhas caíam...

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Soneto da Partida










Partirei porque partirei
Assim, apenas! Não porque havias partido
E, deste estado a partir, até sei
que nenhuma partida faz sentido

Partirei não antes de novembro
mas que me leve o pensamento ao porto
de tão leve que, de pensar, nem me lembro
e de não lembrar que, ao partir, já esteja morto

Não parte em dezembro senão porque é janeiro
E, de tanto que não parti, já nem sei onde chego
E, de tanta água no rio, já vejo-me cego

Parte, hoje, o barco... parte por inteiro!
E talvez nem parta porque, de partida, me entrego
como lágrima de mágoa na imensidão do Negro

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Chorinho a dois





















- Amigo...
(- Diga o que há?)
- Preciso do teu ombro...
(- Você terá!)
- Meu lar está em escombros...
(- Você andou ausente...)
- É... Eu estou resignado...
São fantasmas do passado...
(- Tem que olhar pra frente!)
- Mas na vida se sofre no presente...


- Parceiro....
(- É com você!)
- Estou sem saúde...
(- Não posso crer...)
- Perdendo a juventude
(- Estamos, sim!)
- É... a alegria está aquém.
E eu não tenho mais ninguém.
(- Você tem a mim!)
- Liberdade pode ser ruim!


- Antônio...
(- Diga, José!)
- A moça me deixou...
(- Mantenha a fé!)
- E de nós nada restou...
(- Conte-me mais!)
- É... Acabou-se a lua-de-mel...
Hoje, o meu teto é o céu
(- Força, rapaz!)
- Solidão já não me deixa em paz...


- Amigo...
(- Vamos lá!)
- E isso no meu peito?
(- Já vai passar!)
- Do que é feito?
(- Da vida a dois!)
- Ah... Sinto-me tão sozinho...
Eu choro como um cavaquinho...
(- Vai curar depois!)
- Vamos juntos num chorinho a dois!


- Ei, amigo...
(- Qual é a idéia?)
- Passe-me o tablóide!
(- Notícia velha!)
- Que tal um Pink Floyd?
(- Uma boa idéia, afinal!)
- Ah... Já estive bem pior
Dentre os amigos, você é o melhor...
(- Já estou sentimental!)
- É... Amizade nunca tem igual...


(Uma singela homenagem aos amigos)

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Gritar por gritar





















Queria gritar, mas já anoiteceu
e o mundo aqui dentro... bem, escureceu
Vão me faltando os lenços
e uma pedra para ferir o silêncio

Queria gritar só por gritar, mas gritar de um jeito
Pôr para fora do peito
aquilo que me arde
mas não posso... já é tarde... já é tarde

Mas, amanhã... amanhã, será diferente
Vou gritar bem cedo
Chega de ter medo!
Vou gritar um grito que conserte a gente...

domingo, 15 de junho de 2008

Obra de Deus





















Andei pensando e nem mais duvido...
Quem definiu felicidade
não fora feliz de verdade
havia apenas enlouquecido

Pensando e pensando depois de partido...
Tu que inventaste a saudade
agora diz-me a finalidade
que, para mim, não faz sentido

E os que se julgam tão esclarecidos
dizem, em tom de ironia:
- Meu jovem, delírios teus!

Não dou ouvidos...
Prefiro chamar de poesia
ou, simplesmente, “obra de Deus”

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Quis um poema sobre a tristeza...





















Quis um poema sobre a tristeza
para descrever a noite de frio
e das cousas a natureza

Quis viver os dias com frieza
mas não estou vazio
ainda há gotas de pureza

Quis um momento de clareza
para viver arredio
para viver tanta beleza

Quis pensar sem tanta certeza
sobre a vida por um fio
sem palavras sobre a mesa

Quis escrever um poema com tristeza
mas não me deixou o rio
não me deixou a correnteza

terça-feira, 3 de junho de 2008

Um soneto inevitável














Era só uma vaga lembrança
daqueles tempos incertos
de palavras de concreto
o sorriso de criança

E até quis ouvir estrelas
mas nesta vida de adulto
passam prédios, viadutos
e sequer podia vê-las

É preciso tempo para que se retome
quando as pessoas sequer têm nome
tudo é inexplicável

Fazia tempo, mas eu já sabia
que, como o pôr-do-sol de cada dia,
seria inevitável

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Sei lá, Vento...















Sei lá se é apenas teu costume
Não obstante, alguém à distância
visitar-te a lembrança
E tomar-te o perfume

Há quem apenas te assista
acariciar as flores
dar vida às paisagens sem cores
e levar as páginas das revistas

Mais que isso, teu sopro fascina
– confessam as criaturas mais mundanas –
no balanço das canaranas
ecoas a mim: – Tua terra, minha sina

E em meio às partidas mais inglórias
enovela-te nos lugares mais profundos
aliviando todas as dores do mundo
em suas asas, minhas memórias

És quem me assobias os versos de Camões
e nunca se sabe o que trarás
Tu sabes? Então, assobia mais
para libertar-nos dos grilhões

És mais que bastante, outrossim
justo, porém traiçoeiro
Trouxeste de volta o primeiro
sem te explicares a mim

Ah, Vento! Sei lá...
Nem sei o que sentir
Apenas sei que sem ti
Não existe nenhum lugar

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Pequena análise do tempo















Um certo dia, quis que coubesse
nas primeiras entrelinhas
uma palavra que não fosse a minha

Nesse passado, implorei que viesses
após o inverno com que ainda sonhas
ou numa daquelas primaveras risonhas

Hoje, apenas gostaria que soubesses
que se foram as águas de março
e eu nem sei o que faço

Mas amanhã, espero que confesses:
Estes versos já foram lidos
mas nada me impede de sussurrá-los em teus ouvidos

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Soneto Quadrilátero





















Vivo em meio a um quadrilátero
que me parece desigual
longe da medida ideal...
Mas que – juram seus lados – é equilátero

Vivo enquadrado pelos quatro elementos:
ar, água, terra e fogo
como os dados de um jogo
no tabuleiro da rosa-dos-ventos

Vivo enquadrado em trâmites do Direito
enclausurado dentre trovas
sufocado em ar rarefeito

Vivo enquadrado... Antes fosse apenas suspeito!
E estes versos – confesso – são as provas
evidências de um crime imperfeito

sábado, 29 de março de 2008

Ensaio sobre a aridez















Ora, vamos...
Sei que falareis
sobre os solos inférteis
narrados por Ramos

Sobre tais vidas secas
sobre sedes inglórias
não tenho provas, mas muitas memórias
histórias quixotescas...

Então para que ledes sobre cegueira e lucidez?
A loucura que se manifeste
em dias ardentes como chama

Pois quero mesmo a aridez
num sopro de vento agreste
que me devolva aos lábios secos do Atacama

sexta-feira, 21 de março de 2008

De ondes...





















De onde a angústia vem?
Vem com o calor, ou como calafrio?
Vem pelo ar? Vem pelo rio?
Vem por que, quando e de quem?

De onde vem tal questão intransitiva?
Sem complemento...
A todo momento...
Solta em mim, à deriva

De onde vem o verbo a que me refiro?
Se antes de dizê-lo
já o retiro

Por que seguiu para o horizonte?
E já que não pude detê-lo
alguém me esconda... alguém me conte

quarta-feira, 5 de março de 2008

Quase um soneto sobre o que não se soube dizer














Preciso de um verbete... apenas um
que tenha algo a falar
ou que ao menos sirva para completar
seja simples como um ‘oi’, ou um verbo incomum

Preciso de uma palavra para quebrar esse jejum
com a qual eu cansaria de dialogar
e também de alugar
sem chegar a lugar algum

Só preciso de uma palavra...
Uma palavrinha qualquer...
ou de um dicionário inteiro!

Uma que ilustre o que é
ser desta falta de palavras prisioneiro
(...)

sábado, 1 de março de 2008

Diário de viagem





















Houve muitos dias...
Muito mais que alegrias
escondidas na bagagem
desta curta e finita viagem

Houve fantasia...
Muito mais que poesia
escolhida numa triagem
para esta longa e infinita mensagem

E há este relicário
cujo valor imaginário
é o de um dia que fora eterno

Mas acaba em São João
e se todos verão
eu, humildemente, inverno

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Fotógrafa















Não sei se és tu que borboleteias
Por minhas ruas... fascinante
Com sorrisos de quarto minguante
Em bocas de lua cheia

Não sei o que te encanta
neste som do Ibañez
naquilo que ouves e vês
Não sei que poesia decantas

Não sei o que procuras com tal ânsia
O que estás a bisbilhotar?
O que para ti roubas com ganância?

E se és tu, simplesmente eu não sei
Mas foi esse teu olhar
e sua precisão o que sempre procurei

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Subtração














É sobre este estado de subtração
com milhas e milhas de falso pudor
que se apresenta em Novo Airão
e compreende o Estirão do Equador

E é sobre a serenidade que vive a viajar
E nem deixou seus votos por aqui
Não me encontrou em Amaturá
tampouco achou-me em Beruri

É sobre o ladrar dos cães
e sobre o silêncio que já descansa em paz
É da cor de Alvarães
e da textura de Codajás

É ainda o porquê destas palavras afins
que jorraram pela semana inteira
ao nascerem em Tonantins
e seguirem para São Gabriel da Cachoeira

E nunca quis soar estranho
com pretensões de mundos inteiros
Pois não foi várzea nem castanho
Refiro-me aos Careiros

Mas sempre foi sobre a descrença
deitada nua em pleno divã
que sequer fora a São Paulo de Olivença
mas implorava por Benjamin Constant

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Soneto pela folia















Apenas porque são de carvões e cristais
saudosas fantasias...
Travestidas noites em dias
por estes e outros carnavais

Em meio a máscaras, um encontro fugaz
que, se pelo momento reinasse,
desenharia uma lágrima na face
e pela alma que ali jaz

Pois, como Pierrot, quisera eu a alegria
de desaparecer pelas esquinas
em travessuras de Arlequim

E neste soneto pela folia
que fosses Colombina
e teus versos, somente para mim

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Devoluta Tempestade





















É de tom plúmbeo o olhar
diante de amarga interjeição
que traz o núbil assimilar
entre loucura e perfeição

A precipitação que confesse
como há de enfrentar angústia assim
ao que o gáudio perece
armada com nuvens de silêncio sem fim

Ora, é esta chuva sobre a cidade
com gotas de tua lavra
que beija a fronte da ansiedade

E esta tempestade que não se aceita ilidida
resume-se a poucas palavras
dolorosas, porém, carinhosamente devolvidas

sábado, 5 de janeiro de 2008

Irrenunciável















Se de pedras e asfalto ao avesso
fazem-se essas ruas vadias
É em nuviosa melodia
que ao canto desapareço

Pelo tempo, o nosso apreço
inda maior seria
Se no fim da ventania
soprasse o recomeço

Com punhado de terra e água
misturados sorriso e mágoa
fez-se história de raiz forte

Contada à nossa maneira
com rimas de vida inteira
e capítulos para além da morte