quarta-feira, 27 de junho de 2007

Da insensata lucidez da vida




















Pobre senhor...
Teu tempo que na cadeira balança...
Tempo que nem mais tua mão engelhada alcança
Pobres dos que não conheceram o amor

Velho senhor...
Roupa amarelada, cabeça branca...
Essas rimas, por que de mim as arranca?
- Meu jovem, sabes também dessa dor...

Mas o poeta dizia: só há duas idades
Vivo ou morto!
Como o navio que procura um porto
E que, em novembro, retorna à nossa cidade

Senhor grisalho, sei que já quiseste voltar o tempo
Quiseste chover na estiagem
Cortar os rios de margem a margem
Molhar as pétalas de cada momento

Bem quiseste mudar o que hoje se diz
Buscaste uma jornada serena
Como o fogo nas velas da novena
Mas encontraste teu domingo feliz?

E agora, senhor? Diante de tantas vidas...
Correto, pedes desculpas mais uma vez
Não te preocupes: tuas loucuras nesta vida cometidas
Foram teus verdadeiros momentos de lucidez

(Que a vida seja leve para os que te seguem...)

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Vinte e um




















A folha do calendário voou... vinte e um
Não, não é qualquer dia
Bem que poderia ser apenas mais um
Mas a manhã despertou fria

Palavras são tudo o que me resta
E, hoje, não as encontrei
Vai, me empresta!
Tens algumas contigo, eu sei

Sem palavras, sem consolo...
Mas que desatino!
Marcarão a ferro quente esse número em mim?

Desisto deste texto! Como vou compô-lo?
Restam-me essas rimas sem destino
E essa tentativa de soneto ficará sem fim...

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Em breve, teu colo...





















Deitado sem teu colo
Sem tuas mãos em meu cabelo
O tempo eu ignoro
Não há porque temê-lo

Lembro da história que me contavas
Era um conto da carochinha
Enquanto na rede me embalavas
Sonhava que a fábula era minha

Ao longo desta e de outras jornadas
Permaneceste paciente, tranqüila
Sei, portanto, que sempre me aguardas
Tua voz, de longe, posso ouvi-la

Deitada, entregue à rede, sozinha
Sei que ainda entoas a canção para mim
“Se essa rua, se essa rua fosse minha...”
Mãe, logo essa estrada chegará ao fim...

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Apenas um soneto vagabundo para ti















Enquanto repousares tua juventude
E em São João descansarem teus mortos
Navegarei os rios em sua plenitude
E atracarei em cada um desses portos

Pois minha velha canoa
Que pareceu morta, à deriva
Nas curvas do remar de outra pessoa
Novamente desliza nas águas, resiste viva

Desculpe, morena, toda essa complexidade
Foi apenas uma história mal escrita
Um soneto vagabundo

Enquanto venta do norte, tua cidade
Desejo ver contigo, em hora infinita
De novo, o entardecer mais belo do mundo

terça-feira, 5 de junho de 2007

Seiva no metal














Calor da vida... Frio do metal
A flor... O arame
É um certame?
Sim... Desencontro sentimental

O vento sussurra
A flor morre
A seiva escorre
O metal enferruja

O frio do metal persiste
Pare o momento!
Muita dor...

Que coisa triste
Tudo cinzento
A vida perde a cor

A vila dos sonhos














Boa noite, minha pequena vila
No Centro antigo, por dentre ruelas e muros
Agora livres dos sussurros
Em teus sonhos, poderei segui-la

Fecha os olhos, não temas nada
É apenas o sino tocando
E o luar se deitando
No preto-e-branco da velha calçada

Dorme, cidadezinha, como o sino dos bondinhos
Não te perturbes com nossa voz
Mas reza por nós
Teus filhos ribeirinhos

Recolhe-te, não faças mais esforço
Adormece serena
E sonha com a linda morena
Espelhada na retina do caboclo moço

Vai, seduzida pelo travesseiro
Abandona nele tuas mágoas
Como no encontro das águas
Assim o faz o canoeiro

Dorme logo, protege-te do frio
Novamente cedo vais acordar
Para ver o sol revelar
A negritude do rio

E prometo-te, amanhã, mais uma noite tranqüila
Pois acordarás na realidade
Com semblante de grande cidade
Mas, em meus sonhos, dormirás sempre como vila