terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Coqueluche


Fala assim mansinho
que não vais me deixar
Eu quero tossir
até não mais respirar

Fala... devagarinho
onde queres acertar
pois eu vou tossir
Tossir até sangrar

Coqueluche desde o início
Fala assim... Rarefeito!
Quem sabe eu não me convenço

Ou melhor que isso
Acerta aqui no peito
Machuca, mas permanece em silêncio

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Súplica no Madeira



É para Borba que eu sigo
em solitária procissão
pelas águas, Deus comigo
e uma fitinha em minha mão

Nas carícias de uma brisa
na pequena embarcação
e o remo que desliza
é o gesto em oração

Seu Antônio de Borba
pouco tenho a oferecer
na minha vida sua obra
viajei pra agradecer

Nos banzeiros do Madeira
sobrevivo sonhador
de prender na malhadeira
a fartura de um amor

Sou humilde, sou assim
sou apenas ribeirinho
Caboclo de Antônio
que ainda não sabe orar

Vim a Borba, meu santinho
então não perde a fé em mim
que o maior dos meus sonhos
ainda é saber amar

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Porque choram os rios



Por que assorear meu igarapé?
E tirar do rumo a correnteza
deste leito?

Por que aterrar o meu olhar?
Tentar tirar de mim essa tristeza
do peito?

Deixa chorar
as mágoas
de um desamor

Deixa rolar
as águas
Os rios sentem dor

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O que toca o chão



Isso de mim que cai
num semblante de agora
move-se, fere, sai
Como pode se tão certo outrora?

Não cala, mas não diz
Num pedaço que se vai
como nem mesmo quis
É lágrima que cai

E não rima com a calma
É um chumaço de minh’alma
que não toca teu coração

E já que fazê-lo é tão difícil
que esta não morra num precipício
e encontre ao menos o meu chão

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Na beira do rio


Tanta coisa na beira do rio acontece
É o trabalho do canoeiro
É o casal namorando no outeiro
e um vento que abençoa como prece

E lá no rio é tanta corredeira
tanta pressa pra tanta solidão
É... Assim, sentada aqui no beiradão
até a vida passa a vida inteira

Até a tristeza passa num clarão
vai num barquinho de madeira
que de tão pequeno navega em vão

Navega perdido pelo entardecer
como esses olhos que, de alguma maneira,
fizeram este rio inteiro nascer

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Daqui de cima


Calam as vozes da cidade
Daqui de cima, o fim da tarde
Estou pensando em muito mais...

Onde vou deitar o meu olhar?

Será que a espera é demais?
Será que é muito pedir paz?
Será que há pouco pra sonhar?

Onde repousar o meu olhar?

Distraída, a cidade apenas escuta
O sol padece e perde a luta
E a noite chega pra acalmar

Onde repousar o meu olhar?

Se uma estrela me ouvir
Diga a Deus que eu vou sair
E à meia-noite vou voltar

Mas onde vou deitar o meu olhar?

sábado, 25 de julho de 2009

Lux Aeterna



(Homenagem a N.J.F.L.)

Aprendi por aprender que tempo e ser são um só
O que está feito está feito
e somente à terra diz respeito
e o que se foi retorna ao pó

Para aprender o que jamais morre
é preciso morrer existindo
bem mais que viver desistindo
porque o tempo em si corre

E se a terra insiste
em cobrir o que se encerra
há três letras que ninguém traduz

É o que sempre existe
e não retorna à terra
porque ninguém jamais enterra a LUZ

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Vai-e-Vem

Vai-vem, vai-vem, Vai-e-Vem
no meio dum bosque, duma praça
Vai-e-Vem com leveza, com graça
Se vai-vem, que mal tem?

Vai-e-Vem, mesmo estando preso
ainda levas e trazes os sonhos
daqueles rostinhos risonhos
De tão forte, indefeso...

Um sopro que ao ar vive...
No vento em movimento, ecoa tua voz
Ali estás, acorrentado porém livre!

Balanço, ó balanço!
Poderíamos ainda ser nós
mas cresci e não te alcanço

terça-feira, 3 de março de 2009

Então Chove

(I)



Foi-se o tempo fechando aos poucos
E aqueles que lá estavam
falavam, falavam
Muito! Como loucos!

Mas levanto e, em grito, meu troco!
E os que falavam
agora apenas se entreolhavam
Observavam-me ficar rouco:

— Calem-se! Quero em silêncio ouvi-la!
É a chuva! A tão esperada chuva!
Vejam como cai tranquila...

— Calem-se todos, por favor!
Ouçam, pois nem tudo é chuva,
mas toda chuva lembra um amor

(II)

A chuva vem chegando, assim, de espreita
— Sou eu, Precipitação!
Disse ela sem ver a quem, sem distinção
para guarda-chuvas largos e ruas estreitas

— A chuva vem chovendo — assim ela mesma cantou.
Nuvem cinza que a todos surpreende
E vem chovendo palavras que ninguém entende
Umedecendo as folhas da árvore que agitou

Ó nuvens claras que vem com o romper da aurora,
sois tão indecisas!
Nem sois tão claras quanto outrora!

Sois apenas pobres nuvens sobre a cidade
Que, perdidas, tentam denunciar algumas brisas
Mas hoje é mesmo dia de tempestade

(III)



Se me queres, ó Chuva,
queira-me calada
não o digas às telhas
nem às copas das árvores
nem às rosas vermelhas
nem às estátuas de mármore

Se me queres, ó Chuva,
mesmo que torrente sejas leve
deixa-me seguir minha jornada
pois a vida é breve
e o amor uma sinuosa estrada